Protestos no Líbano continuam após tentativa fracassada de formar novo governo
Crise libanesa pode se acentuar diante do impasse na formação de um novo governo para o país.
As consultas parlamentares para tentar formar um novo governo libanês foram suspensas nesta segunda-feira (16). Esta é a segunda vez que as negociações fracassam em uma semana, em um contexto de tensões e distúrbios crescentes que deixaram diversos feridos neste domingo (15).
Em uma mensagem publicada nesta segunda-feira no Twitter, o presidente libanês, Michel Aoun, disse que “respondeu ao desejo do primeiro-ministro Hariri de adiar as consultas parlamentares até quinta-feira, 19 de dezembro”. As consultas, garantidas pela Constituição, começaram em 9 de dezembro — várias semanas depois do previsto. O atraso alimentou o movimento de contestação nas ruas.
Uma das razões para o novo adiamento seria a falta de unanimidade entre os principais blocos políticos sobre a eventual designação de Hariri. Em entrevista à RFI, Ziad Majed, professor associado da Universidade Americana de Paris e coordenador do programa “Middle East Pluralities”, disse que há uma relação entre o adiamento e as violências que tomaram conta do Líbano neste final de semana.
“O que é preocupante é que a repressão policial desse nível é algo raro”, analisa.
Segundo ele, uma das dificuldades de Hariri é que ele “é boicotado por uma parte de seu antigos aliados, que não querem fazer parte do seu governo, seja por oportunismo ou pela vontade de se mostrarem abertos à demanda da contestação.”
Ainda de acordo com Majed, “Hariri tem um problema de legitimidade, e por isso tenta ampliar a base do governo para ter mais apoio de certas comunidades, como é o caso da cristã”. De acordo com o especialista, “há a pressão da rua, a pressão econômica, e uma dificuldade da classe política de se renovar. Mas são sempre os mesmos que querem reformar o governo e as instituições”, declara.
Isso significa que Saad Hariri tem chances de continuar no poder, pelo fato de ser muçulmano sunita, como prevê a constituição libanesa, que também determina que o chefe do parlamento deva ser xiita, e o presidente, cristão maronita — uma maneira de garantir o pluralismo religioso.
“Hariri se considera o muçulmano sunita mais representativo, e também acredita que a ajuda internacional é ligada a seu nome e nomeação”, diz o professor.
O anúncio da suspensão das consultas ocorreu após novos tumultos, que deixaram dezenas de feridos perto do Parlamento, em Beirute. A Cruz Vermelha libanesa atendeu 45 pessoas no local do protesto e “28 foram transportadas para hospitais”, afirmou o diretor da ONG, Georges Kettané.
Neste domingo (15), os policiais tiveram que usar jatos de água para dispersar os manifestantes, que quebraram vidros de lojas, destruíram parquímetros e arrancaram árvores pelo caminho. As cenas foram transmitidas ao vivo pelos canais de TV de todo o país.
A situação se complicou quando os habitantes de bairros considerados redutos do movimento xiita Hezbollah começaram a atacar os participantes dos protestos, alegando divergências do movimento com seus líderes.
Diante da gravidade da situação, as forças armadas libanesas enviaram reforços para dispersar a multidão e separar os manifestantes, antes de fechar todos os acessos ao centro da capital, Beirute.
Em comunicado divulgado nesta segunda-feira, o exército libanês deplorou o “caos generalizado” de domingo, referindo-se a “atos de vandalismo e ataques a propriedades públicas e privadas”.
Na noite de sábado (14), dezenas de pessoas também ficaram feridas em Beirute, durante protestos reprimidos pelas forças policiais com balas de borracha e gás lacrimogêneo. Os incidentes do fim de semana estão entre os mais violentos desde o início do movimento de protesto, há dois meses, e a ministra do interior, Raya Al Hasan, solicitou uma investigação.
Os protestos devem continuar. “Queremos pelo menos um nome para primeiro-ministro que represente a vontade do povo. Mas tudo indica que Saad Hariri continuará sendo a primeira opção, então vamos continuar fechando as ruas”, disse um manifestante em entrevista à RFI.
“Os principais líderes políticos parecem totalmente ‘autistas’ e não compreendem a gravidade do movimento”, analisa Karim Emile Bitar, professor de Relações Internacionais da Universidade Saint-Joseph, em Beyrouth, entrevistado pelo jornalista da RFI, Nicolas Falez.
ONU pede abertura de inquérito
O Líbano vive há dois meses um movimento de protestos sem precedentes contra a classe política. Os manifestantes acusam o governo de corrupção e incompetência. Os protestos levaram à renúncia do primeiro-ministro Saad Hariri, no dia 29 de outubro. Os partidos políticos tentam negociar a formação de um novo governo, mas os opositores que estão nas ruas exigem um Executivo formado apenas por técnicos desvinculados dos partidos que vêm governando o país.
Nesta segunda, o coordenador da ONU para Líbano, Jan Kubis, pediu a abertura de um inquérito sobre uso excessivo da força na repressão aos manifestantes. Nos últimos dias, o movimento se tornou mais violento, deixando diversos feridos. O representante da ONU publicou uma mensagem no Twitter pedindo a identificação dos autores da violência.
Fonte: G1