Portugal inicia transição de governo, em guinada para a direita

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Lisboa — Dez dias depois das eleições em que deu uma guinada à direita, Portugal, finalmente, começou seu processo de transição política. Antes mesmo de tomar posse — a cerimônia está marcada para 2 de abril —, o futuro primeiro-ministro, Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática, se apresentou à presidente do Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, e emitiu um recado claro aos demais partidos para que não criem dificuldades ao novo governo. Para ele, o país deve mostrar à população, aos agentes econômicos e aos parceiros europeus que tem maturidade suficiente para manter a estabilidade que sempre o caracterizou.

“Não há motivo, nem interno nem externo, para se duvidar da capacidade administrativa do novo governo. Não há nenhuma razão para duvidar da maturidade democrática dos portugueses, seja dos que votaram, seja dos que assumiram responsabilidades, no governo e na oposição”, disse Montenegro. Na avaliação dele, embora não disponha de maioria absoluta na Assembleia da República, o novo governo tem a confiança dos eleitores e do que se exige dos atores políticos, ou seja, o sentido de responsabilidade. Da presidente da Comissão Europeia, ele recebeu a garantia de que terá todo o apoio necessário para governar Portugal. Montenegro também se reuniu com a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola.

Um fato inédito chamou a atenção em Bruxelas: as presenças do atual premiê português, o socialista António Costa, e de seu sucessor. Os dois conversaram e ressaltaram a importância de se colocar em primeiro plano o desejo da população de um país melhor. “Não sou voz da oposição, até estou rouco”, disse Costa. Apesar do bom momento econômico de Portugal, com crescimento acima da média europeia, desemprego em baixa e contas públicas arrumadas, há um descontentamento enorme dos cidadãos, que reclamam dos impactos da recente inflação, da severa crise na habitação e da deterioração dos serviços da saúde e da educação. Foi esse sentimento de desproteção que levou mais de 1,1 milhão de portugueses a elegerem 50 deputados do partido Chega, de extrema-direita.

Revisão do Orçamento

O primeiro grande desafio de Montenegro será obter os votos necessários na Assembleia da República para revisar o Orçamento de 2024, feito pela administração que está saindo. Ele prometeu cortar impostos, mas, ao mesmo tempo, dar aumentos salariais para professores, policiais, médicos e aposentados e pensionistas. O Partido Socialista admitiu apoiar algumas medidas, porém, ressaltou que fará uma oposição responsável e aguerrida. O Chega, que tentou, de todas as formas, aderir ao novo governo e foi rechaçado pelo líder da Aliança Democrática, indicou que vai esperar um sinal mais claro de Montenegro para se posicionar.

Para não ficar tão refém de votos conquistados na oposição, o futuro primeiro-ministro de Portugal conta com a adesão ao governo da Iniciativa Liberal (IL), com seus oito deputados. O casamento ainda não foi selado. Também há possibilidade de o Livre, de centro-esquerda, com quatro parlamentares na Assembleia da República, se posicionar a favor de Montenegro em votações mais importantes. O líder do partido, Rui Tavares, afirmou que fará uma oposição “leal, construtiva e vigorosa”, mas rechaçou qualquer apoio se Montenegro ceder a uma parcela da Aliança Democrática que defende um acordo com a extrema-direita.

Montenegro informou que os novos ministros serão apresentados em 28 de março. Ele pretende dar uma cara mais liberal ao governo e passar aos investidores e ao comando da União Europeia a visão de que fará uma gestão responsável, uma vez que Portugal é extremamente dependente dos repasses de Bruxelas para tocar investimentos, sobretudo, na área de infraestrutura. Ele recebeu apoio de Úrsula von der Leyen, mas esse suporte veio acompanhado do alerta de que o momento vivido pela Europa é crucial. Há uma guerra nas suas franjas, entre a Ucrânia e a Rússia; a região vê o crescimento de movimentos anti-imigração; há falta de moradias e a ultradireita ganha força.

Lisboa — Os portugueses que vivem no Brasil, mas mantêm o direito de voto em Portugal, foram fundamentais para que um dos principais aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no país europeu perdesse o mandato de deputado para um representante da extrema-direita. Augusto Santos Silva, do Partido Socialista (PS), que ainda preside a Assembleia da República, não conseguiu obter os votos necessários no exterior para garantir uma vaga no Parlamento que tomará posse nos próximos dias.

Envolvidos pela máquina bolsonarista — especializada em difundir fake news nas redes sociais —, os portugueses que moram em território brasileiro garantiram 24,6% dos votos ao Chega, contra apenas 15,3% do Partido Socialista. O Chega também venceu de forma expressiva no circuito europeu, graças às votações maciças na Suíça e em Luxemburgo, para onde estão seguindo os jovens portugueses, que se sentem excluídos do atual processo político e econômico. Muitos consideraram o apoio desse grupo etário à ultradireita como um protesto.

O socialista Augusto Santos Silva: derrota para os ultraconservadores

Dos quatro deputados da Assembleia da República eleitos com votos do estrangeiro, o Chega ficou com dois, entre eles, José Dias Fernandes, que, durante anos, foi imigrante ilegal na França, sendo expulso duas vezes do país. Já o PS garantiu um parlamentar, e a Aliança Democrática, do futuro primeiro-ministro, Luís Montenegro, um.

Santos Silva tomou a frente na defesa de Lula na cerimônia em comemoração do 25 de Abril no ano passado. O líder brasileiro havia sido convidado para discursar no Parlamento no dia em que se celebra a Revolução dos Cravos, que garantiu o retorno da democracia em Portugal, mas enfrentou um protesto de deputados do Chega, que gritavam e batiam nas mesas enquanto o petista falava. O presidente da Assembleia interveio e pediu respeito ao líder brasileiro, alegando que se tratava do discurso de um chefe de Estado com fortes ligações com Portugal. Ele conseguiu controlar a situação.

A decepção com a não reeleição de Santos Silva foi grande no Partido Socialista e no governo brasileiro. Em entrevista à rede de tevê SIC, o político afirmou que a sua não reeleição reflete o péssimo momento enfrentado pelo Partido Socialista, depois de oito anos à frente do governo. A atual administração caiu por causa de denúncias de corrupção que atingiram o primeiro-ministro, António Costa, e vários de seus auxiliares. Costa pediu renúncia e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, convocou eleições. Passados quatro meses da Operação Influencer, comandada pelo Ministério Público, nada foi provado contra nenhum dos acusados. (VN)

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