Julgamento do caso Mariana em Londres: Governo brasileiro notifica corte inglesa sobre novo acordo
Em meio ao julgamento em Londres sobre a participação da BHP na tragédia de Mariana, o governo brasileiro notificou a corte inglesa sobre o novo acordo recém assinado no Brasil. Assim, a juíza Finola O’Farrell, responsável pelo caso, pode levar esse fato em consideração para definir a sentença, prevista para o ano que vem. Segundo especialistas, é possível que o acordo de repactuação tenha impacto concreto na decisão da justiça inglesa.
Na ação julgada na Inglaterra, estão representadas 620 mil vítimas, além de municípios e empresas. O escritório Pogust Goodhead, que cuida do caso, pede indenização à BHP, uma das acionistas da Samarco, responsável pela barragem que se rompeu matando 19 pessoas e poluindo o Rio Doce em 2015.
Mesmo com o novo acordo, assinado no final de outubro, o julgamento teve continuidade na Inglaterra. No último dia 11, o governo brasileiro, através do Ministério das Relações Exteriores, comunicou oficialmente a corte inglesa sobre a homologação do acordo. Todo o conteúdo, em milhares de páginas, foi encaminhado ao tribunal.
O novo acordo prevê que as empresas envolvidas no acidente — Vale, BHP e Samarco — destinem R$ 100 bilhões ao governo federal, a Minas Gerais, ao Espírito Santo e a municípios afetados pelo acidente. Esse pagamento será gerido por um fundo do BNDES, o Fundo Rio Doce. O primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo judicial.
Outros R$ 32 bilhões irão para as indenizações individuais, no valor médio de R$ 35 mil por pessoa, além de R$ 38 bilhões que as empresas alegam já terem desembolsado, via Fundação Renova, criada em 2016 para compensar os danos pelo acidente. O valor total chega a R$ 170 bilhões e a expectativa é que o acordo encerre mais de 180 mil ações judiciais no Brasil.
Como o acordo pode impactar na decisão da Inglaterra?
Com a repactuação, o principal argumento a favor das empresas é que uma vítima não pode ser indenizada duas vezes pelo mesmo dano — o que é chamado de bis in idem no meio jurídico. Ou seja, já que houve um acordo para pagamentos no Brasil, as mesmas empresas não poderiam ser cobradas novamente no exterior.
A BHP é a única ré na ação inglesa, mas a Vale arcaria com metade das indenizações se a mineradora anglo-australiana perder o processo, conforme acordo entre ambas. Há outra ação sobre o acidente em fase inicial na Holanda.
Advogados especialistas em direito ambiental consideram possível que a Justiça inglesa dê razão às empresas a partir do acordo, mas a corte de Londres tem soberania para prosseguir com o julgamento. Eles avaliam que ganhou força o argumento de que uma vítima não pode ser indenizada duas vezes pelo mesmo dano, o que livraria as mineradoras de voltarem a pagar na Inglaterra as indenizações que já acertaram de quitar no Brasil.
Outra possibilidade no horizonte é que a juíza Finola O’Farrell, responsável pelo caso, considere que a solução brasileira não foi suficiente e exija novas indenizações.
Professor de Direito Ambiental da Escola Paulista de Direito, Alexandre Levin considera que o processo de Londres não deveria existir, já que a indenização vinha sendo discutida no Brasil.
— Seria equivocado por parte da Justiça Inglesa condenar novamente pelo mesmo fato, caso as indenizações já tenham sido fixadas e pagas na Justiça brasileira — afirmou.
Entretanto, ele explica que é possível a justiça inglesa dar razão às vítimas por achar que as indenizações brasileiras foram insuficientes.
— O juiz inglês não é obrigado a extinguir a ação. Ele pode entender que a vítima foi indenizada em um valor insuficiente, que foi pressionada a aceitar um valor inferior. Ou que a indenização demorou demais a ser paga, que as vítimas não foram devidamente compensadas — avalia Levin.
Consultor em Direito Ambiental, professor da Unirio e presidente da Comissão de Direito do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Paulo Bessa rechaça a tese de valor insuficiente. Apesar de correr na Inglaterra, o julgamento se baseia na legislação e nos parâmetros do Brasil, argumenta.
— A indenização é prevista no Código Civil brasileiro, com parâmetros nos tribunais. Pode-se argumentar que os valores são baixos, mas não pode fugir desse parâmetro — explica Bessa, que, apesar de entender que o acordo deve ser considerado na decisão inglesa, critica a postura da Justiça e das autoridades brasileiras. — O Brasil tem que ter uma estrutura mais adequada para atender a esse tipo de vítima.
Bessa destacou as dificuldades para produção de provas de 620 mil vítimas na ação em Londres.
— Tudo foi mal administrado, mas não se pode falar que o pagamento de agora é desprezível. Não se pode alegar na Inglaterra que ninguém recebeu nada — diz Bessa, que acrescenta que no Brasil se paga, em média, R$ 60 mil de indenização por danos morais em evento com morte.
Advogada do núcleo de ações coletivas, direito ambiental e ESG da Nelson Wilians Advogados, Larissa Coelho diz que o certo é a justiça inglesa considerar o acordo brasileiro e também os impactos que uma nova indenização poderia causar às empresas. Mas admite que o cenário atual é inédito
— Apesar de já termos visto ações coletivas transnacionais, essa é a de maior magnitude. As duas instâncias (justiça brasileira e inglesa) são soberanas e suas decisões vão produzir efeitos.