Protestos pró-Gaza em universidades dos EUA: quais os paralelos com manifestações contra guerra no Vietnã em 1968
Os protestos contra a guerra em Gaza se expandiram em algumas das principais universidades dos Estados Unidos nas últimas semanas.
Em alguns casos, as instituições recorreram à polícia e à guarda nacional para retirar os manifestantes, prendendo centenas deles.
Estudantes protestaram contra a guerra que já matou mais de 34 mil pessoas depois dos ataques do grupo islâmico Hamas em 7 de outubro, quando 1,2 mil pessoas morreram no território israelense e mais de 200 foram sequestrados.
Os estudantes pedem às suas universidades que cortem os seus laços financeiros com empresas israelenses e estrangeiras que “estão lucrando” com a guerra e que parem de colaborar com instituições de ensino de Israel.
Algumas universidades acusaram os manifestantes de permitir expressões de cunho antissemita e de intimidar estudantes de origem judaica.
Muitos analistas e meios de comunicação compararam os confrontos violentos nesta semana durante a dispersão dos protestos na Universidade de Columbia com os ocorridos em 1968 naquela famosa universidade de Nova York.
Os protestos daquele ano foram motivados pela raiva causada pela Guerra do Vietnã w pelas mudanças no recrutamento militar que estavam fazendo com que mais jovens fossem convocados a servir nas forças armadas dos EUA.
A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com jornalistas, ativistas e escritores que viveram as manifestações de 1968 para analisar os paralelos com o momento atual.
Os principais acontecimentos de 1968 O quadro da guerra
Em 1968, a Guerra do Vietnã atingiu o seu ponto mais crítico.
Em janeiro, forças norte-vietnamitas apoiadas por guerrilheiros vietcongues atacaram as posições dos Estados Unidos e dos seus aliados, penetrando até Saigon, então capital do Vietnã do Sul.
A operação ficou conhecida como Ofensiva do Tet, em homenagem ao ano novo lunar. Embora tenha sido uma derrota militar para as forças comunistas do norte, as imagens do ousado ataque começaram a mudar a opinião do público americano sobre a guerra.
O incidente revelou que o governo do presidente Lyndon B. Johnson, que falava de “uma luz no fim do túnel”, não tinha hipóteses de vencer a guerra e mentiu ao povo sobre a verdadeira situação do conflito.
“Foi isso que começou tudo”, diz Kenneth Walsh, professor da American University, em Washington, que era estudante na época, à BBC News Mundo.
“Ficou claro para o país que o inimigo não iria desistir, que haveria muito mais baixas de forças, tanto americanas como comunistas, e muitas mortes de civis”, diz Walsh, autor de vários livros e ex-correspondente na Casa Branca.
Décadas depois, a incursão de membros do Hamas em território israelense, em 7 de outubro de 2023, chocou o mundo, que expressou solidariedade a Israel.
No entanto, depois de meses de bombardeios implacáveis de Israel, o número de vítimas palestinas atingiu uma magnitude inimaginável há seis meses, enquanto a população de Gaza vive à beira da fome.
“As imagens que todos vimos de Gaza nos últimos meses são de uma resposta israelense incrivelmente desproporcional”, diz o jornalista Charles Kaiser, que trabalhou no jornal The New York Times e autor de um livro sobre o ano 1968 nos Estados Unidos.
“Vamos ser claros. O que o Hamas fez foi assustador, terrível e nojento”, diz Kaiser. “Mas é inédito que Israel tenha aproveitado este horrendo incidente terrorista e o tenha transformado numa razão para (gerar) o maior ódio contra Israel que já vi na minha vida.”
É essa reação negativa que tem alimentado os protestos crescentes nos campi universitários dos Estados Unidos, que muitos consideram muito semelhantes aos de 1968.
Os protestos estudantis
“O que está acontecendo agora é muito parecido com o que tínhamos naquela época. Em 1968, estudantes ocuparam os campi e edifícios universitários em oposição à Guerra do Vietnã e questionaram os investimentos das autoridades administrativas em empresas ligadas ao aparelho militar”, afirma Kenneth Walsh.
“Hoje em dia, naturalmente, é um conjunto diferente de questões; apoio aos palestinos e à crise em Gaza. Mas a razão central agora, tal como em 1968, é a raiva, o ressentimento e um sentimento de injustiça. Portanto, muitas das coisas que estão acontecendo nos EUA agora nos levam de volta a 1968, aquele ano muito tumultuado.”
No entanto, Mark Kulansky, um ativista em 1968 e autor do livro 1968: The Year that Rocked the World (1968 – O Ano que Abalou o Mundo, em tradução livre), não acredita que haja muitas semelhanças entre os protestos daquela época e os atuais, com exceção talvez do que ocorreu no Hamilton Hall, edifício administrativo icônico da Universidade de Columbia, do qual foram retirados à força os estudantes.
“A situação é completamente diferente. Estávamos enfrentando uma guerra em que nosso governo nos obrigava a lutar e éramos teimosos em resistir”, ressalta. “A guerra no Vietnã foi algo que aconteceu conosco, e aqueles que protestam agora sabem que não serão envolvidos em uma guerra em Gaza.”
No entanto, o jornalista Charles Kaiser, que foi estudante em Columbia no final da década de 1960 e escreveu sobre os subsequentes protestos anti-guerra, acredita que as atuais manifestações devem ser elogiadas.
“De certa forma, essas manifestações são mais surpreendentes porque não há nenhum elemento de risco pessoal, mas sim uma postura devido ao impacto das imagens de Gaza”, diz. “Sou fortemente a favor de qualquer protesto que, de uma forma não violenta, expresse oposição às táticas israelenses. Penso que é a coisa mais pró-Israel que se pode fazer, porque a forma como estão conduzindo a guerra é completamente egoísta e destrutiva.”
Por sua vez, Mark Kulansky acredita que as manifestações foram contraproducentes e deram força àqueles que as criticam.
“Sou um daqueles judeus problemáticos, nunca fui um grande apoiante de Israel e entre muitos de nós havia um movimento muito contrário ao governo de Netanyahu”, reconhece.
“Mas já nos calamos. Se eles (os manifestantes) tivessem lidado com a situação de forma diferente, poderiam ter tido um movimento judeu e palestino contra a guerra.”
Charles Kaiser também alerta sobre as expressões antissemitas ouvidas de alguns manifestantes em Columbia e outras universidades.
“Faço uma grande distinção entre protestos pacíficos e pessoas que pedem a morte dos seus opositores.”
De qualquer forma, Kaiser condena a forma como muitos dos protestos foram reprimidos pelas autoridades, da mesma forma que aconteceu em 1968.
“Em regra geral, a menos que intervenham para evitar um estado ativo de violência, levar a polícia para o campus é sempre um erro, porque tudo o que faz é inflamar mais os ânimos e tornar todos mais enraizados nas suas posições”, diz.
“Embora os manifestantes pareçam ter estudado os antecedentes de 1968 e recebido conselhos dos mais velhos, os atuais administradores universitários não parecem ter tomado as mesmas precauções, revendo os erros cometidos pelos seus antecessores.”
Ano eleitoral nos EUA
O mundo estava verdadeiramente em turbulência em 1968.
Não só a oposição à Guerra do Vietnã havia se consolidado nos Estados Unidos, como também ocorreram revoltas estudantis em vários outros países, mais notavelmente na França, com o movimento de maio de 1968 (ou Maio Francês).
Além disso, havia tensões entre o Ocidente e os soviéticos.
A União Soviética e alguns dos seus aliados do Pacto de Varsóvia invadiram a então Tchecoslováquia com os seus tanques, chegando a Praga para depor o líder reformista Alexander Dub?ek e impor novamente o autoritarismo comunista.
Nos Estados Unidos, o líder pacifista e defensor dos direitos dos afro-americanos Martin Luther King Jr foi assassinado. Poucos meses depois, aconteceu o mesmo com o candidato democrata Robert F. Kennedy, irmão do presidente assassinado John F. Kennedy.
A sociedade estava totalmente polarizada nos EUA, com tumultos em dezenas de cidades. No meio de todo esse caos, o enfraquecido presidente Lyndon B. Johnson anunciou que não iria tentar a reeleição. A incerteza cercou as eleições presidenciais que seriam realizadas em novembro de 1968.
“Em 1968, (o candidato republicano) Richard Nixon usou as revoltas estudantis para projetar a ideia da necessidade de reprimir o crime e de que os democratas eram fracos na lei e na ordem. Essa foi uma das razões pelas quais ele ganhou as eleições”, diz Kenneth Walsh, autor do livro The Architects of Toxic politics in America (Os arquitetos da política tóxica na América).
É precisamente esse o argumento que o candidato republicano Donald Trump utiliza agora contra o presidente Joe Biden.
“Se o que o país quer é lei e ordem e a questão do crime se tornar mais proeminente, isso, em teoria, poderia beneficiar (Donald) Trump. Portanto, há outro paralelo com o passado”, diz Walsh.
O resultado das eleições presidenciais de novembro deverá ser apertado. Charles Kaiser destaca que, embora não tenha conseguido influenciar a forma como Israel conduz a guerra em Gaza, o presidente Biden está longe da posição enfraquecida que Lyndon B. Johnson tinha em 1968.
O que ele teme, porém, é um potencial paralelo com o passado: a Convenção Democrata que vai ratificar Biden como candidato presidencial do partido será realizada na cidade de Chicago, palco dessa mesma convenção em 1968, que terminou em violento confronto entre ativistas e a polícia.
“Fala-se muito em replicar as manifestações universitárias de Chicago durante a convenção e que, em 1968, se revelaram uma catástrofe política” para os democratas, alertou.
“Em 1968, o efeito final de tudo isso, depois do esforço que fizemos para acabar com a guerra, levou o país na direção oposta, quando Richard Nixon se tornou presidente”, explicou.
“Se um caos semelhante provocado por manifestantes anti-Israel ocorrer nas ruas de Chicago, é possível que o resultado em 2024 seja a eleição de Donald Trump.”
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